Professor ainda melhor
"O uso da tecnologia no ambiente escolar"
Então,
em um belo dia, alguém chega sorrateiro e lhe diz: “olhe bem para este
aparelho aqui, daqui para frente você deverá utilizá-lo para fazer a mesma
coisa que já faz, talvez faça um pouco melhor, mas não deverá fazer pior nunca,
certo? Esse aparelho requer algum estudo para que seja bem utilizado,
principalmente na sua profissão, mas não há ainda manuais sobre como usá-lo
corretamente. Infelizmente ninguém lhe falou dele durante sua formação, na
verdade ainda hoje os profissionais da sua área não aprendem a usá-lo
corretamente durante seus cursos de graduação, mas você deverá usá-lo mesmo
assim. Boa sorte!”.
Essa
situação, aparentemente estranha, descreve muito bem a forma como os computadores
entraram na história de muitos professores. E talvez você seja, ou venha a ser,
um deles.
É mais
do que natural que muitos professores não compreendam muito bem por que
deveriam passar a usar os computadores em suas práticas pedagógicas, já que:
1 – o professor que já é experiente sabe ensinar
sem o uso dos computadores;
2 – muitos professores não usam computadores nem
para seus próprios afazeres particulares e não vêm como nem por que
deveriam usá-los na escola;
3 – o computador parece uma máquina frágil e
complicada que requer muito estudo e cuidados para seu manuseio;
4 – não há muitos cursos e capacitações que ensinem
a utilizar o computador como ferramenta pedagógica na escola;
5 – a escola dispõe de poucos computadores e
isso impede que eles sejam bem utilizados.
Talvez
pudéssemos enumerar mais alguns bons motivos, mas esses cinco já são
suficientes para que qualquer professor que nunca tenha utilizado um computador
como ferramenta pedagógica, e que não tenha ainda o firme propósito de vir a fazê-lo,
justifique o não uso dos computadores.
Além
disso, apesar de todas as recomendações para que os computadores sejam usados
nas escolas, há uma certa tolerância por parte da coordenação e da direção
que permite que o professor não utilize os computadores e se justifique
fazendo uso dos argumentos acima, ou de outros. Assim, parece perfeitamente
possível não utilizar os computadores justificadamente. Mas será mesmo que
podemos ou devemos ignorá-los? Será que os argumentos acima são mesmo bons, ou
são apenas mitos criados para esconder um comportamento que, se fosse apontado
nos alunos, seria altamente reprovavel: uma profunda má vontade?
Vamos
olhar mais atentamente para cada um dos argumentos acima e refletir um pouco
sobre cada um eles, começando pelo primeiro.
É
verdade que o bom professor sabe ensinar sem fazer uso dos computadores,
da mesma forma que ele pode ensinar sem fazer uso de vídeos, retro-projetores,
projetores de slides, livros e até mesmo sem os velhos giz e lousa. Mas a
questão verdadeira não se resume em o que se pode fazer sem os computadores e
sim no que se pode fazer com os computadores.
Por
exemplo, sem os computadores o professor de geografia pode facilmente falar
sobre a importância do bom manejo dos solos e do uso das curvas de nível na
agricultura. Um bom material didático certamente trará alguma foto ou
ilustração mostrando isso, mas que tal se ele pudesse mostrar as plantações das
regiões vizinhas e as curvas de nível reais? Isso não seria bem mais
interessante? Para isso hoje temos o Google Earth, que é gratuito e você pode
baixá-lo na página do Google.
É muito
difícil crer que um professor de geografia que já seja um bom professor não
possa ser um professor ainda melhor se dispuser desses recursos extras
para sua aula. Já para o aluno, eu creio que seja muito mais interessante
aprender sobre relevo e sobre as curvas de nível vendo e manipulando os dados
reais de forma direta do que por meio de esquemas e representações puramente abstratas,
como as curvas de nível.
Assim
como nesse exemplo, também poderiam ser enumeradas centenas de outras
possibilidades de uso desse e de outros tantos programas para todas as demais
disciplinas. O universo de possibilidades aumenta exponencialmente a cada dia e
não há absolutamente nada que indique que um bom professor não vá se tornar um professor
ainda melhor tendo à sua disposição esses novos recursos.
O
segundo argumento diz respeito à falta de uso do computador no dia a dia do
professor. Essa é, a meu ver, a maior dificuldade para o uso pedagógico do
computador nas escolas, pois professores que não usam computadores
rotineiramente tendem a criar uma idéia muito fantasiosa sobre esse
eletrodoméstico moderno e têm medo de ter que usá-os com seus alunos. É claro
que se o professor não usa o computador nem para sí próprio ele dificilmente
conseguirá usá-lo em suas aulas.
Se o professor ainda escreve suas avaliações e
listas de exercícios à mão, ou as datilografa em uma velha máquina de escrever,
então talvez seja o caso de experimentar digitá-las em um computador. Se o
professor ainda vai ao banco pagar suas contas, então talvez deva experimentar
usar a Internet. E mais importante, esse professor deve começar a conversar com
seus amigos que usam computadores regularmente e se informar com eles sobre as
possibilidades de uso que certamente facilitarão sua vida pessoal bem antes de
facilitarem sua vida profissional.
Por fim,
se o professor não possui um computador em sua casa, então talvez seja
interessante e importante que a escola disponibilize o uso dos computadores da
Sala de Informática para o corpo
docente de forma livre, ou seja, de maneira que o professor, muito antes de
usar os computadores para ensinar sua disciplina, comece a usá-los em sua
própria vida. Um professor que comece a usar os computadores hoje, ainda que
para “jogar paciência”, tem uma grande chance de ser um professor que usará a
Sala de Informática para ensinar sua disciplina de forma bem mais interessante
para os alunos e para ele mesmo.
O terceiro argumento diz que os computadores são
máquinas frágeis, caras e de difícil manuseio. Bom, isso não é verdade e se
fosse nós nunca gastaríamos nosso dinheiro comprando computadores para nossos
filhos pequenos, não é mesmo?
Computadores
não quebram só porque o usuário não é um especialista em computação. Na verdade
é muito difícil quebrar um computador apenas usando-o. Você já conseguiu
quebrar algum? Conhece alguém que o fez apenas utilizando-o normalmente?
Também
não é difícil usar um computador, contrariamente ao que imaginam aqueles que
nunca o usaram. Se você não acredita em mim, então pergunte a qualquer criança
com mais de quatro anos de idade e ela irá lhe ensinar uma porção de coisas que
se pode fazer com um computador.
E se uma
criança de cinco ou seis anos de idade já sabe usar o computador e a Internet,
como podemos imaginar um adulto com curso superior completo que não consiga
fazê-lo também? E ainda mais se esse adulto for um especialista em ensino e
aprendizagem, isto é, se for um professor!
O quarto
argumento diz respeito à falta de cursos e de capacitações que ensinem o
professor a usar o computador como ferramenta pedagógica. Em grande medida isso
é verdade e provavelmente continuará sendo assim até que os computadores sejam
introduzidos na rotina dos professores e até que as universidades incluam em
seus currículos uma prática de ensino voltada à incorporação das novas
tecnologias.
Mas isso
não quer dizer que não existam cursos e recursos disponíveis atualmente para a
capacitação dos professores, quer dizer apenas que esses cursos e recursos
dificilmente “virão à procura do professor na quantidade, na forma e no tempo
que seria desejável”.
A
maioria dos recursos atuais destinados a ajudar o professor a utilizar o
computador como ferramenta pedagógica podem ser encontrados na própria
Internet.
Para
fazer uso desses recursos o professor precisará ter algum tempo disponível para
se dedicar a esse aprendizado e para interagir com outros professores. Esse
tempo não é um tempo de “trabalho extra” do professor, é um tempo de
“aprendizagem contínua” que todo profissional atual precisa ter para si mesmo
em qualquer área que atue.
Grande
parte desses recursos consiste em “relatos de experiência” de outros professores,
dicas de aulas, fóruns e comunidades virtuais de aprendizagem sobre temas
relativos ao uso dos computadores; portais e sites educacionais que oferecem
cursos e ferramentas pedagógicas, programas de computadores, revistas voltadas
à educação e artigos, como esse aqui, que abordam o tema, também existem aos
milhares na Internet.
O quinto
e último argumento parece fazer muito sentido e é freqüentemente utilizado como
a “desculpa final”. Se a escola não dispõe de uma quantidade suficientemente
grande de computadores, então não se deve usar nenhum. Será mesmo? Qual é a
quantidade ideal de computadores disponíveis na escola?
Quando
alguém menciona que sua escola dispõe de poucos computadores para os alunos, o
que imaginamos? Seria justo imaginar que a Sala de Informática dessa escola é
terrivelmente concorrida, que é preciso agendar seu uso com muita antecedência,
que sempre veremos três ou quatro alunos disputando um mesmo computador e que a
Sala de Informática permanece cheia o dia todo. Mas será que é assim mesmo? Ou
será que essa sala de informática fica sem uso na maior parte do tempo “porque
têm poucos computadores”?
Não parece
um tremendo contra-senso não usar os poucos computadores que se têm disponíveis
sob o pretexto de que só se pode usá-los quando forem muitos? Qual seria o
número necessário para que um professor que nunca usou a Sala de Informática
viesse a usá-la? Em que medida esse número “grande” de computadores faria com
que o professor que nunca os utilizou passasse a usá-los com propriedade? E se
esses novos computadores nunca vierem, vamos deixar os outros apodrecerem sem
uso?
Quando
dispomos de poucos recursos temos que ser racionais e compartilhá-los de forma
inteligente para que atendam ao maior número possível de usuários e não para
inviabilizar de vez o seu uso. Se uma Sala de Informática não permite o uso
simultâneo dos computadores por todos os alunos, o professor deve criar
dinâmicas de uso que permitam um uso compartilhado, trabalhando em grupos e
alternando esses grupos se for necessário, de forma a garantir um uso
igualitário para toda a classe. Impedir a classe de usar os computadores não
trará nenhum benefício maior do que usá-los de forma compartilhada.
A cada
dia que passa torna-se mais necessário o uso de computadores em nossa vida
cotidiana. Nossos alunos já vivem em um mundo povoado de computadores por toda
parte, e nós também! As escolas tendem invariavelmente a incorporar os
computadores como dispositivos regulares de apoio ao ensino, assim como
incorporaram o mimeógrafo, o retroprojetor, o projetor de slides, o
videocassete e, mais atualmente, os aparelhos de DVD.
A tendência para os próximos anos é que cada
vez mais os computadores invadam as escolas, das mais sofisticadas às mais
humildes, e cada vez mais será necessário fazer uso dessas maquininhas para
promovermos um ensino de qualidade. A questão já não é mais de opção de uso
por parte do professor ─ posso ou não usar os computadores ─ mas sim de decisão
sobre o uso apropriado ─ como devo usá-los da melhor forma?
Se você
leu esse artigo, então provavelmente você já é um usuário dos computadores e da
Internet, ou está pensando seriamente em vir a sê-lo, então o que você acha da
idéia de imprimi-lo e o disponibilizar na sala dos professores da sua escola
para que outros professores, que não utilizam ainda os computadores, ou que
temam utilizá-los, possam lê-lo e, quem sabe, começarem a se aventurar também
nesse novo mundo digital?
FONTE: ANTONIO,
José Carlos. Professor ainda melhor, Professor Digital, SBO, 08 jul.
2008. Disponível em:
<http://professordigital.wordpress.com/2008/07/08/professor-ainda-melhor/>.
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